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Talíria Petrone fala sobre Racismo e Injustiça Ambiental: questões de ontem, de hoje e de até quando?

Nesta semana, o Brasil passou e ainda está passando por diversos debates sobre as questões raciais no país. O dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, mesmo dia da morte de Zumbi dos Palmares, símbolo de resistência e luta contra a escravização, é uma data para que se celebre a ancestralidade africana dos brasileiros, além de ressaltar a conscientização da população a respeito do racismo estrutural existente e representar a resistência da comunidade negra e a luta antirracista diária dessa população. 

A partir disso, o Luppa entrou em contato com a Deputada Federal Talíria Petrone para mostrar um pouco mais de como as questões ambientais estão relacionadas com a luta da comunidade negra, trazendo para a pauta os temas de Racismo e Injustiça Ambiental, os quais não são tão debatidos assim, mas que possuem total relação com a luta por justiça racial.

Veja abaixo a entrevista!

Antes de tudo, gostaríamos de te conhecer melhor. Mesmo brevemente, conte-nos: quem é Talíria Petrone e como é a sua atuação como Deputada Federal?

Talíria Petrone

Eu nasci em Niterói em 9 de abril de 1985, onde morei toda a minha vida. Sou negra, feminista, socialista, professora, graduada em História pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro e mestra em Serviço Social e Desenvolvimento Social pela Universidade Federal Fluminense. Dei aula na favela da Maré, em São Gonçalo e em Niterói e a realidade das escolas sempre foi um motivo para ir à luta. Foi da sala de aula que me veio a vontade de transformar a sociedade.

Em 2010, conheci o PSOL e comecei minha militância partidária, decidindo, seis anos mais tarde, me candidatar à vereadora em Niterói.

Na campanha por uma Niterói negra, feminista, LGBT e popular em 2016, fui eleita a vereadora mais votada da cidade e, por mais de um ano, fui a única mulher na Câmara Municipal. Fui presidente da Comissão de Direitos Humanos da Criança e do Adolescente e acompanhei dezenas de casos de violações de direitos na cidade.

Depois da execução política da minha amiga, companheira de lutas e vereadora Marielle Franco, muita coisa mudou. Vi a necessidade de dar consequência política a esse crime que marca nossa ainda frágil e incompleta democracia. Assim, em 2018, fui eleita deputada federal pelo PSOL do Rio de Janeiro, com 107.317 votos — a nona mais votada do estado do Rio de Janeiro.

Agora sou mãe da pequena Moana Mayalú e atualmente estou como líder da Bancada do PSOL na Câmara.

Como é a sua atuação na Frente Parlamentar Ambientalista?

Talíria Petrone

A Frente Parlamentar Ambientalista passou a ter um papel ainda mais importante diante dos ataques do governo Bolsonaro contra o meio ambiente. Fui Secretária Geral da Frente na primeira legislatura e agora coordeno o GT Água, nesse momento tão grave na situação hídrica e climática no Brasil. Realizamos no dia 5 de novembro uma Audiência Pública sobre este tema, na qual ficou muito nítida a lógica irracional e privatista que predomina na gestão dessa crise. 

Seria cômico se não fosse trágico o ciclo vicioso do colapso hídrico e climático que vivemos. A queima de combustíveis fósseis, especialmente carvão e petróleo, causam as mudanças climáticas, causa provável da maior estiagem que vivemos em quase 100 anos. Com a seca e a falta de controle público sobre o uso dos reservatórios, eles se esvaziam, afetando a produção elétrica. O que se faz pra resolver a crise elétrica? Ligam enormes usinas elétricas movidas a carvão com enorme taxa de emissão de gases do efeito estufa que podem agravar o quadro dos extremos climáticos que geram secas como essas.

Focando no nosso assunto: os impactos ambientais atingem toda a população da mesma forma?

Talíria Petrone

A crise ecológica que vivemos atinge a todos os habitantes do planeta, mas os atinge de forma desigual. Essa desigualdade também se expressa no papel diferente que cada um cumpre no agravamento da crise ecológica. Quanto mais desiguais as sociedades, mais desiguais serão os impactos ambientais. Quando se transforma o Cerrado num deserto de soja, quando se incinera a Amazônia, quando se destrói a biodiversidade, por exemplo extinguindo abelhas, quando se polui as fontes de água e se emite toneladas e toneladas de gases do efeito estufa, está-se operando a destruição dos regimes ecológicos do Sistema Terra de conjunto. Essa também é uma face da globalização, temos uma crise ecológica/climática global.

Ela é fruto exclusivo do modo de produção capitalista. Por isso, seus efeitos são sentidos desigualmente porque suas causas também são produzidas desigualmente. O que é o papel de bala no chão e o banho de 10 minutos perto das plataformas petrolíferas, das mega mineradoras, dos monopólios agropecuários e dos bancos? E o inverso também é verdade, esses magnatas acumulam recursos que os permitem se proteger de parte dos efeitos da crise que causam, deixando a maioria da população, especialmente as populações periféricas, pretas, pobres, literalmente, ao sabor das tempestades.

Como essa desigualdade de impactos é perceptível no Rio de Janeiro?

Talíria Petrone

A face mais exposta dessa realidade no Rio de Janeiro são as recorrentes tragédias climáticas que arrastam corpos em enxurradas, destroem casas e levam todo ano a dezenas, às vezes centenas de mortes. Estupefatos pelas tragédias, parece que não vemos o cotidiano de milhões sem saneamento, sem moradia digna, vivendo na beira do precipício. Convivendo com a especulação imobiliária e com um mercado bilionário, que estimula a favelização e avança sobre as áreas costeiras da Região dos Lagos e da Costa Verde.

O papel do petróleo na Baía de Guanabara e da mineração na Baía de Sepetiba também mostra suas garras, ocupando os espelhos d’água e entorno, convivendo com vazamentos e colocando pescadores artesanais e suas famílias diante da possibilidade de extinção de seus modos de vida.  

A partir do que já foi dito, poderia nos dizer o que é Racismo Ambiental?

Talíria Petrone

A perspectiva do racismo ambiental surgiu nos EUA a partir de uma análise que detectou que os lixões eram sempre construídos próximos às comunidades negras. E isso vale para todos os âmbitos do debate ecológico, os povos periféricos, indígenas e tradicionais, são as maiores vítimas das violações e dos impactos ambientais. Seja por viverem em áreas de fronteira da destruição ambiental, seja dentro da dinâmica urbana de impor aos mais pobres a maior parcela de impactos e riscos.

Infelizmente, os debates públicos não são representativos o suficiente para que a civilização marginalizada levante as suas pautas. Ao mesmo tempo, muitos desses cidadãos não possuem a percepção de que a situação ambiental em que eles se encontram é uma condição baseada na discriminação racial e classista, a qual está impregnada na administração pública.

Como a Talíria disse, o termo Racismo Ambiental surgiu nos Estados Unidos, onde o pesquisador Robert Doyle Bullard, a pedido da Comissão de Justiça Racial da Igreja Unida de Cristo, evidenciou “coincidências” em  todo o país, pois os depósitos de resíduos perigosos sempre eram instalados em regiões onde habitavam as minorias étnicas.

A partir disso, o Movimento por Justiça Ambiental se consolidou como uma rede multicultural e multirracial que se expandiu para o mundo todo, tendo o Movimento Negro como seu principal precursor. Articulou-se com entidades de direitos civis, grupos comunitários, organizações de trabalhadores, grupos religiosos e intelectuais no combate ao racismo ambiental, visto como uma forma de racismo institucional.

No Brasil, diversos pensadores destacam a injustiça ambiental. Além de ser perceptível na fala da Deputada Federal Talíria Petrone, a escritora, compositora e poetisa Carolina Maria de Jesus iniciou o debate sobre a realidade das favelas lá nos anos 60. Em sua obra “Quarto de Despejo: diário de uma favelada” é fácil identificar a ineficiência do poder público em dar assistência às comunidades marginalizadas, o que diz respeito também as condições ambientais nas quais essa população vivia e vive até hoje.

Mesmo com tantas evidências, falas e luta, as injustiças ambientais estão se tornando mais presentes no mundo, devido à grande crise ecológica que vem sendo reforçada pelo negacionismo e pelo sistema de produção e consumo que infelizmente norteia a administração pública.

O Mês da Consciência Negra está se encerrando, mas o debate e a luta devem continuar diariamente. O Luppa trás esta postagem hoje, no intuito de transmitir que a conservação do meio ambiente deve andar em parceria com as pautas raciais, e outras pautas sociais, uma vez que a Justiça Ambiental pode proporcionar melhorias consideráveis para toda a população.

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