O Brasil é o 5º maior gerador de resíduos eletroeletrônicos do mundo, tendo gerado 2,1 milhões de toneladas no ano de 2019, equivalente a 10,2 kg por habitante (ABRELPE, 2020). O aumento do consumo de equipamentos eletroeletrônicos está relacionado à diminuição do ciclo de vida desses equipamentos, rápida inovação tecnológica e a criação de novas necessidades e desejos de consumo. No entanto, o gerenciamento dessa classe de resíduos ainda enfrenta desafios apesar de sua expressiva geração no país.
A temática dos Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos (REEE) vem ganhando destaque nos últimos tempos, principalmente por conta do desenvolvimento tecnológico acelerado. Esses equipamentos possuem vida útil cada vez menor, atrelado, principalmente, à obsolescência introduzida pelo fabricante e ao desejo por parte do consumidor, de um produto mais novo e moderno, o que gera um descarte mais rápido – fato que aumenta a taxa de geração de REEE, os quais são majoritariamente descartados de forma ambientalmente inadequada.
▪ O que é um Resíduo de Equipamento Eletroeletrônico?
Equipamentos Eletroeletrônicos (EEE) são todos aqueles produtos cujo funcionamento depende do uso de corrente elétrica, acumuladores (pilhas e baterias) ou de campos eletromagnéticos. Eles são categorizados em quatro grupos amplos pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), como pode ser observado na figura a seguir:
Idealmente, só chegam a esse estágio quando já foram esgotadas todas as possibilidades de reparo, atualização ou reuso. Alguns deles, notadamente os equipamentos de telecomunicações, têm um ciclo de obsolescência mais curto, fato conhecido como obsolescência programada. Em outras palavras, devido à introdução de novas tecnologias ou à indisponibilidade de peças de reposição, eles são substituídos e, portanto, descartados mais rapidamente.
Vale destacar que esses equipamentos possuem uma composição de alta qualidade, diversos materiais são consideravelmente resistentes e caracterizam uma enorme fonte de recursos. Eles são compostos por materiais diversos: plásticos, vidros, componentes eletrônicos, mais de vinte tipos de metais pesados e outros. Esses materiais estão frequentemente dispostos em camadas e subcomponentes fixados por solda ou cola. Desse modo, sua separação para processamento e eventual reciclagem é complexa, gera um custo e um impacto muito maiores do que aqueles exemplos mais conhecidos de recolhimento e tratamento de resíduos, como é o caso das latas de alumínio, por exemplo.
Algumas características próprias dos REEE justificam a exigência de processos específicos de gerenciamento. Alguns dos materiais encontrados neles são metais pesados como alumínio, arsênio, cádmio, bário, cobre, chumbo, mercúrio, cromo, entre outros.
Em 2019, de acordo com a entidade gestora, 372.986 toneladas de baterias foram inseridas no mercado, das quais 275.250 toneladas foram recolhidas, isto significa que 74% das baterias foram direcionadas para o sistema de logística reversa.
⚠ Riscos e toxicidade
– Contaminação das pessoas que manipulam os REEE
Tanto o consumidor que mantém e utiliza em casa equipamentos antigos, quanto aquelas pessoas envolvidas com a coleta, triagem, descaracterização e reciclagem dos equipamentos estão potencialmente expostas ao risco de contaminação por metais pesados ou outros elementos. Os efeitos no organismo podem ser graves. Para reduzir o risco de contaminação, toda a manipulação e processamento devem ser realizados com os devidos equipamentos de proteção pessoal.
– Contaminação do meio ambiente
Os REEE não devem em nenhuma hipótese ser depositados diretamente na natureza ou junto a rejeitos orgânicos. Mesmo em aterros sanitários, o mero contato dos metais pesados com a água incorre em imediata contaminação do chorume, multiplicando o impacto decorrente de qualquer eventual vazamento. Penetrando no solo, esse material pode contaminar lençóis subterrâneos ou acumular-se em seres vivos, com consequências negativas para o ambiente como um todo. Todas as etapas da logística reversa devem levar em conta esses riscos e implementar formas de evitá-los.
▪ Principais leis sobre o assunto
📝Legislação Federal
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) apresenta a definição de responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, como o “conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos”.
Outro ponto de destaque da PNRS é a definição dos agentes dos Sistemas de Logística Reversa (SLR) e suas respectivas responsabilidades, bem como os instrumentos básicos para a implementação dos SLR: regulamentação, acordo setorial ou termos de compromisso.
Antes da PNRS, alguns estados já possuíam regulamentação específica abordando a destinação de REEE, como SP, RJ e PE. Segundo Xavier, 2019, “estas iniciativas já se encontravam alinhadas com o escopo da regulamentação nacional que ainda se encontrava na forma de Projeto de Lei naquele período, fato que contribuiu para a harmonização dos instrumentos legais e normativos neste momento inicial, antes da década de 2010”.
Foi observado um maior avanço nas regulamentações do setor após a promulgação da PNRS, abordando cada vez mais outros atores como associações e cooperativas de catadores e termos de compromisso empresariais e setoriais. No artigo 33 da PNRS, que trata da obrigatoriedade da implantação de SLR por parte dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, que deve ser dado de forma independente do serviço público de limpeza urbana, há menção dos REEE no inciso IV. No entanto, apenas em 2020 foi publicado o Decreto 10.240 que regulamenta esse e o art. 56 da PNRS, trazendo normas para a implementação de Sistemas de Logística Reversa (SLR) obrigatória de produtos eletroeletrônicos de uso doméstico e seus componentes (BRASIL, 2020).
✳ Definições e termos importantes
O Decreto 10.240/2020 traz ainda uma série de definições importantes, das quais destacam-se:
- acessórios – produtos não integrantes da estrutura física dos produtos eletroeletrônicos e que viabilizam, auxiliam ou facilitam seu uso pelos consumidores, incluídos controles remotos, carregadores, tampas e cabos removíveis, entre outros;
- componentes – peças, materiais, substâncias e partes fixas não removíveis que constituem e integram a estrutura física dos produtos eletroeletrônicos e cuja ausência compromete o uso adequado dos produtos;
- entidade gestora – pessoa jurídica constituída pelas empresas fabricantes e importadoras ou associações de fabricantes e importadores de produtos eletroeletrônicos, que atenda aos requisitos técnicos de gestão, com o objetivo de estruturar, implementar e operacionalizar o sistema de logística reversa;
- pontos de consolidação, de concentração ou de transbordo – locais destinados ao recebimento, controle, acondicionamento e armazenamento temporário dos produtos eletroeletrônicos descartados pelos consumidores nos pontos de recebimento, sem a descaracterização dos referidos produtos, até sua transferência para a destinação final ambientalmente adequada;
- ponto de recebimento, de entrega ou de coleta – locais fixos ou móveis destinados ao recebimento e ao armazenamento temporário de produtos eletroeletrônicos descartados pelos consumidores;
- produtos eletroeletrônicos – equipamentos de uso doméstico cujo funcionamento depende de correntes elétricas com tensão nominal de, no máximo, duzentos e quarenta volts;
- produtos eletroeletrônicos cinzas ou produtos cinzas – produtos eletroeletrônicos e seus acessórios importados ou comercializados de forma não oficial, não autorizado ou não intencional pelo fabricante original;
- produtos eletroeletrônicos órfãos ou produtos órfãos – produtos eletroeletrônicos e seus acessórios cujo fabricante ou importador deixou de existir no mercado atual;
📝 Legislações do Estado e do Município do Rio de Janeiro
No que tange a Política Estadual de Resíduos Sólidos do Rio de Janeiro (PERS-RJ) e a lei nº 4.191/2003, que institui a obrigação da implementação de sistemas de logística reversa de resíduos para resíduos eletroeletrônicos, agrotóxicos, pneus e óleos lubrificantes no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, podemos destacar a publicação da lei nº 6805 de 18/06/2014, que derrubou o veto do artigo 22º da Lei nº 4.191/2003, incluindo a modalidade de desconto para o consumidor que, no ato da compra, entregue seu produto usado. Este configura-se, portanto, como um instrumento importante de incentivo de adesão dos consumidores ao seu papel no SLR do estado.
A nível municipal do Rio de Janeiro, tem-se a lei nº 4.969/2008 sobre a gestão integrada dos resíduos sólidos urbanos, que apresenta como um de seus instrumentos a logística reversa, dedicando uma seção aos resíduos de pilhas, baterias, lâmpadas e eletroeletrônicos. Em seu artigo 15 traz que “as pilhas, baterias e lâmpadas, após seu uso ou esgotamento energético, são consideradas resíduos potencialmente perigosos à saúde e ao meio ambiente, devendo a sua coleta, seu recolhimento e seu destino final observar o estabelecido nesta Lei.”
▪ A Logística Reversa
Os Sistemas de Logística Reversa (SLR) foram instituídos no Brasil a partir da PNRS, em 2010, definidos como aqueles que compreendem operações para a reinserção de resíduos na cadeia produtiva “para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada” . A PNRS define também que os agentes desses sistemas são os consumidores, os produtores, importadores, distribuidores e comerciantes com compromissos estabelecidos legalmente. Ou seja, nós também fazemos parte dessa cadeia tão importante!
Aos agentes são atribuídas também suas respectivas responsabilidades, a começar pela devolução do produto pós-consumo por parte dos consumidores para a destinação ambientalmente adequada. A seguir os comerciantes e distribuidores devem receber e destinar para as indústrias de reciclagem, as quais se responsabilizam pelo custeio do sistema de produção dos equipamentos eletroeletrônicos, devendo, portanto, contratar o serviço para destinação dos REEE (XAVIER, 2019).
Os produtos se inserem no ciclo da Logística Reversa após serem fabricados ou importados, depois serão comercializados e utilizados pelos consumidores – que são responsáveis por retornar os produtos usados a postos de coleta e descarte, ou até comerciantes, varejistas ou distribuidores. Em seguida os produtos podem ser encaminhados a centros de triagem e consolidação, que os enviam a indústrias de reciclagem, que irão beneficiar os produtos, tornando-os matérias primas secundárias ou subprodutos que poderão ser nas indústrias responsáveis pela produção do produto primário, bem como a indústrias de outros setores. Aqueles produtos que não existem formas de reciclagem ou reaproveitamento são direcionados para sua disposição final ambientalmente adequada.
Infelizmente, há diferenças na viabilidade de implementação desses sistemas, principalmente por questões geográficas e tributárias. Dentre os desafios principais enfrentados entre a coleta e o processamento dos REEE, destaca-se a distância a ser percorrida dá origem ao local de processamento, bem como os custos associados ao frete e a tributação (XAVIER, 2019). Observa-se que, no recente decreto 10.240/2020, estão previstas isenções tributárias e o repasse de recursos a serem aplicados no âmbito dos SLR de REEE, de forma a contemplar todas as fases da operação do sistema, incluindo-se planos de comunicação e de educação ambiental não formal, mas excetuando se os custos associados ao descarte dos produtos – os quais deverão ser cobertos pelos consumidores.
OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL RELACIONADOS:
Texto adaptado do trabalho produzido por Daniela Baczynski, Gabrielle Rocha, Giovanna Cavalcanti, Olívia Andrade e Wagner Lima para a disciplina Disposição de Resíduos Sólidos/UFRJ em 2021.
Imagens: Unsplash