LUPPA – UFRJ

O novo zoneamento do terreno da Marinha em Duque de Caxias

Resumo das Audiências Públicas realizadas em 16 e 30/09/2021.
Por Maria da Silveira Lobo, socióloga-urbanista, PhD em Estruturas Ambientais Urbanas e membro do Subcomitê Oeste do Comitê da Bacia Hidrográfica da Baía de Guanabara.

Está sendo discutida a mudança de uso e ocupação de uma área verde às margens do rio Pavuna-Meriti, em Duque de Caxias. A área atualmente é da Marinha, e há interesse por parte da prefeitura em ocupá-la com outros usos, como residencial, comercial e de lazer. O debate foi iniciado em 2016, sem participação popular, e no mês de setembro de 2021 foram realizadas duas audiências públicas para discutir o tema – a autora e o LUPPA apenas obtiveram acesso á gravação da primeira delas – acesse aqui!).

Confira abaixo o resumo da problemática e os principais pontos discutidos nas audiências!

▪ Caracterização da Área

A área em questão, denominada Área do Comando da Força de Fuzileiros da Esquadra da Marinha do Brasil, é localizada nos bairros Jardim Vinte e Cinco de Agosto e Parque Duque, no município de Duque de Caxias – RJ, próximo aos rios Pavuna e São João de Meriti. Ela encontra-se próxima ao Complexo Naval Parada de Lucas e ao Complexo Naval Caxias Meriti. Na audiência do dia 16/09/2021, nenhuma imagem do terreno ou da proposta de uso e ocupação do solo foi apresentada; apenas na audiência do dia 30/09.

CONFIRA NO MAPA INTERATIVO ABAIXO A LOCALIZAÇÃO DA ÁREA!

▪Breve Histórico

Em 2016, a Marinha encaminhou oficio com solicitação do novo zoneamento da área ao Prefeito da cidade de Duque de Caxias, pois parte do terreno já havia sofrido invasões e processos de reintegração de posse já estavam em curso. Foram solicitados às Universidades e ao INEA estudos hidrológicos para a mudança de zoneamento e licenciamento futuro, e a Marinha já teria realizado um estudo. O chefe do executivo encaminhou um Projeto de Lei Complementar à Câmara Municipal e este foi aprovado – a área mudou de ZEIA (Zona Especial de Interesse Ambiental) para ZOT (Zona de Ocupação Preferencial) – Lei Complementar 003, de 07 de março de 2016. Contudo, uma denúncia foi feita ao Ministério Público Federal (MPF), uma vez que não houvera participação popular na discussão e na decisão. O MPF expediu, então, recomendação para que o novo zoneamento fosse discutido pelo Conselho da Cidade e em pelo menos uma audiência pública, mencionando que poderia, eventualmente, propor um Termo de Ajuste de Conduta (TAC).

📝 A mudança do Macrozoneamento em 2016:

No Art. 54 da Lei do Plano Diretor do município  (Lei Complementar nº 01, de 31 de Outubro de 2006) consta a referência das Zonas Especiais de Interesse Ambiental como sendo as listadas no Anexo VII desta lei, na qual podemos ver que o terreno encontra-se demarcado como ZEIA. Segundo o Secretário de Urbanismo, o Plano Diretor de Duque de Caxias, de 2006, e encontra-se sem atualização, mas já foi apresentado um cronograma físico e não financeiro a fim de que o corpo técnico, principalmente os funcionários estatutários de carreira, possam finalizar a atualização do PD, após o final da atual gestão.

Anexo VII do Plano Diretor Urbanístico de Duque de Caxias. Fonte: Audiência Pública

A alteração foi feita através da Lei Complementar 003, de 07 de março de 2016, que “Altera o macrozoneamento da Zona Especial de Interesse Ambiental – ZEIA 9 (Área do Comando da Força de Fuzileiros da Esquadra da Marinha do Brasil) localizada nos bairros Jardim Vinte e Cinco de Agosto e Parque Duque, da Lei Complementar nº 01, de 31 de Outubro de 2006, e declara que as áreas abaixo delimitadas passam a pertencer à Zona de Ocupação Preferencial – ZOP

Conforme o artigo 46 do Plano Diretor de 2006, as diretrizes da ZOP (Zona de Ocupação Preferencial) visam a ocupação de grandes vazios e áreas subutilizadas. E a alteração do macrozoneamento para ZOP teria viabilizado a presente proposta de alteração do Zoneamento. O foco da Audiência Pública foi “tornar a área em Zona Habitacional de 1ª categoria – ZH1 (Bairro Parque Duque) e Zona Habitacional de 4ª Categoria (Bairro Jarim 25 de Agosto).”

Divisão dos bairros – ZH4: Jd. 25 de agosto (verde) e ZH1: Parque Duque (azul claro). Imagem apresentada na Audiência Pública

Segundo o Secretário, a área no bairro 25 de Agosto é classificada como ZH5 – taxas de ocupação e utilização mais restritiva para reduzir adensamento da área e facilitar o licenciamento ambiental. Com a alteração para ZH4, passariam a ser permitido lotes mínimos de 300 m2, diferente dos lotes de 200 m2 da ZH8 do 2º Distrito, que podem ser muito mais adensados.

🚌 A nova via e a nova estação modal de integração

O Secretário esclareceu, na primeira audiência, qual é o interesse municipal inicial nessa área: aliviar o engarrafamento no centro do município, no bairro 25 de agosto, por meio da construção de uma via interligando a rodovia estadual Leonel de Moura Brizola, antiga Pres. Kennedy, à rodovia Washington Luís – BR-040, e de um viaduto próximo ao Pinicão, na comunidade Vila Nova. Outro projeto interligado a esse é o das Barcas S.A., em andamento, que vai ligar o jornal O Globo até à Ilha do Governador e à Praça XV. Essa via, disse o Secretário, será um corredor para um modal de integração, fazendo com que os ônibus cheguem mais rápido às barcas e aliviando o fluxo de veículos da Linha Amarela e da Linha Vermelha. É um projeto que vem de encontro ao da Marinha. Veja nas imagens a seguir os prints retirados da Audiência Pública mencionando o projeto.

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▪Usos permitidos e usos proibidos com a mudança do zoneamento

Confira nas tabelas a seguir algumas mudanças importantes que ocorrerão com a mudança do zoneamento em relação aos usos predominantes do solo.

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▪ Faixa Marginal de Proteção (FMP) do rio Pavuna-Meriti: uma incógnita

Segundo o assessor jurídico da Secretaria Municipal de Meio Ambiente informou na primeira audiência, uma Faixa Marginal de Proteção (FMP), de 100 metros de cada margem do rio Pavuna-Meriti, já se encontra demarcada, e o artigo 3º da Lei complementar estabelece que as áreas alagadiças deverão servir de bacia de acumulação e serem preservadas desse modo. Na segunda audiência, o Secretário do Meio Ambiente informou que essa faixa ainda seria demarcada como APP, conforme o Código Florestal. veja abaixo o print do momento em que isso foi citado na Audiência:

Veja na imagem abaixo, no entanto, que a faixa demarcada informa apenas 50m.

Projeto para ocupação da área. Fonte: Audiência Pública

Foi feito um breve debate a respeito da competência de licenciamento nessa área ser do IBAMA, do INEA ou do Município, por tratar-se de APP – área de proteção permanente, obrigatória por conta da Faixa Marginal de Proteção a ser protegida, e por ser uma região de manguezal. Ricardo Torres, assessor jurídico da Secretaria de Meio Ambiente do município, esclareceu que ” tanto a Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Duque de Caxias quanto o INEA tem competência para conceder autorização ambiental para intervenção em APP”, não havendo necessidade da presença do IBAMA no contexto.

Afinal, há ou não ocupações na FMP?

Já foram encerrados os processos de reintegração de posse citados no ofício da Marinha ao antigo Prefeito, conforme relatado pelo assessor jurídico da SMMA na primeira audiência? Na segunda audiência, o Secretário de Urbanismo disse que havendo ocupações a proposta seria igual a que foi feita no rio Sarapuí, onde 1.245 famílias foram reassentadas para a construção de um Parque Ecológico.

A questão da função social do patrimônio da União

Durante a plenária, alguns participantes levantaram a questão da função social do patrimônio da União, e as autoridades defenderam que esta poderá vir a ser cumprida pela ocupação proposta. “Os recursos da venda dessa área não virão para os cofres do Município; ficarão com a Marinha. O vencedor desse certame pagará 2% de ITBI ao Município e poderemos usar esse TAC para utilizar as medidas compensatórias para melhorar a qualidade de vida e atender toda aquela população do entorno”, menciona Leandro Guimarães, Secretário de Urbanismo e Habitação, na 1ª audiência)

“Sobre a riqueza e a pobreza não vou entrar nesse debate filosófico. Eu entendo que uma cidade deve ter conforto e ser economicamente viável para todos os moradores. O projeto vai gerar riqueza só para algumas pessoas? E o restante da cidade? E os municípios à montante e o Rio de Janeiro serão contemplados por esse acúmulo de riqueza? Ou será que valerá a máxima “toda riqueza gera mais pobreza”? (LUIS CUSTÓDIO – morador de São João de Meriti e militante de vários movimentos)

▪ Objeções

Uma das principais questões levantadas foi referente a essa área ser alagadiça e importante para a infiltração da água de chuva, sobretudo porque a região já é muito adensada e com poucas áreas disponíveis para infiltração. Foi questionado o impacto que a ocupação dessa área poderá ter sobre enchentes e alagamentos, frequentes na região, especialmente para as áreas à montante da região, em especial o município de São João de Meriti, uma das cidades mais adensadas da América Latina. Em resumo, as objeções foram em torno dos seguintes pontos:

  • Perda de área verde em região alagadiça de acumulação de água, já com densidade alta
  • Desconforto acústico e riscos de vida pela proximidade do aeroporto
  • Impactos para população do entorno
  • Impactos para a pesca artesanal devido ao retorno do rio Pavuna-Meriti na foz
  • Impactos na fauna e flora

▪Propostas alternativas

Foram encaminhadas propostas para conciliação do debate, como assegurar o uso de técnicas construtivas e arquitetônicas que permitam boa infiltração das águas de chuva, bem como a integração desse tipo de prática criando-se um Parque Fluvial, associado também a atividades de lazer e culturais.

Outras falas trouxeram também sugestões a respeito da inclusão no TAC a obrigatoriedade do uso de tecnologias como: reuso da água, geração energia com placas fotovoltaicas, pavimentação dos trechos com piso intertravado para garantir maior permeabilidade da área, implantação de vasos comunicantes para melhorar o escoamento da água.

“Esse projeto poderá viabilizar um projeto hidrológico que permita drenagem naquela área para melhorar o escoamento na Praça Roberto Silveira e respeitar o artigo 3 da LC, isto é, e garantir a preservação das áreas de acumulação ” (LEANDRO GUIMARÃES, Secretário de Urbanismo e Habitação, na 1ª audiência)

 Proposta encaminhada pela autora

Maria da Silveira Lobo apresentou, na segunda audiência, uma proposta para a ocupação da área:

 O que deveria constar na TAC?

  • Redução dos parâmetros do Zoneamento: Taxa de Ocupação e de Coeficiente de Aproveitamento, gabarito de altura.
  • Indicação de percentual mínimo para uso e benefício da população de baixa-renda, caracterizando o projeto como de Renda Mista e cumprindo a função social do patrimônio da União.
  • Exigência de Estudo de Impacto Ambiental (EIA),  Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) e Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) com estudos hidrológicos, climáticos e meteorológicos, de uso agrícola do solo, de mobilidade, de conforto ambiental e acústico etc.
  • Indicação da área de realocação para moradores que ocupam a FMP.
  • Projeto de área de Solução Baseada na Natureza para a FMP como área de transição “esponja” entre o leito do rio e a área de ocupação e proposta de monitoramento e fiscalização.

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